Ontem o Gremio realizou a ultima partida do ano, e foi com derrota no Grenal, nao podia esperar muito de um time que teve mais baixos do que altos durante o ano.
Em um estado onde o futebol é muito mais do que um jogo de bola, onde
sujeitos correndo de vermelho ou de azul formam a identidade cultural de um
povo, há duas tatuagens na pele de boa parte dos habitantes: o clássico Gre-Nal
e a Libertadores da América. Experimente juntar as duas coisas. Tente imaginar o
que seria vencer um Gre-Nal e, por causa dele, ir para a Libertadores da
América. Ou pergunte a um colorado. Ele saberá responder o que representa a
junção dos sentimentos, porque o Inter, com vitória de 1 a 0 sobre o Grêmio
neste domingo, no Beira-Rio, garantiu presença na edição de 2012 da maior
disputa do continente – aquela mesma que vermelhos e azuis ganharam duas vezes
cada.
Foi um Gre-Nal histórico, reunindo um time louco pela vitória e outro doido
para evitá-la. O Grêmio não foi mal. Deu provas factuais disso ao mandar duas
bolas na trave de Muriel. Mas quem ganhou foi o Inter. Quem foi à Libertadores
foi o Inter. O domingo é dos colorados. O fim do ano é deles.
O gol do Inter, nenhuma novidade, foi de D'Alessandro, a melhor figura em
campo. Ele cobrou, no segundo tempo, pênalti sofrido por Oscar. Assim, permitiu
que o Inter fechasse o Brasileirão na quinta colocação, com 60 pontos. O Grêmio
vai para a Sul-Americana.
Jorge Luis Borges, escritor argentino que não dava a mínima para futebol,
certa feita criou o conceito de Aleph. É, nos delírios dele, um pequeno ponto
luminoso que, na prática, é o mundo todo. Nele, se vê tudo que acontece (e que
já aconteceu): cada episódio ao mesmo tempo, sem limites de tempo e espaço, como
a explosão de uma memória infinita. É o extremo oposto de um dia de Gre-Nal.
Pelas paredes do estádio que recebe um clássico gaúcho, não passam lembranças,
não interessa o passado – ninguém tem família, emprego, problemas. É tudo
futebol. É tudo agora.
E o agora do Inter era vencer o Grêmio e ir à Libertadores. E o agora do
Grêmio era impedir que isso acontecesse. Nada mais importava. Duas
instantaneidades diferentes: uma apressada, afobada pelo gol; a outra
parcimoniosa, dando tempo ao tempo. Desde o primeiro segundo de jogo, o Inter
tentou acelerar os ponteiros do relógio do Gre-Nal. E o Grêmio, no primeiro
tempo, conseguiu dar corda lenta neles.
Existe quase uma lei no clássico gaúcho: se é Gre-Nal, que se olhe para
D’Alessandro. Se teve alguém chamando cada pedaço do couro da bola no primeiro
tempo, foi o camisa 10. Se teve alguém disposto a arriscar de longe (uma, duas,
três, quantas vezes fosse necessário), era D’Alessandro. Ele coordenou a tomada
de espaço ofensivo do Inter. Mesmo bem marcado (por Fernando, geralmente),
conseguiu incomodar. Mas o Grêmio teve Victor.
Foram quatro chutes do camisa 10 nos 45 minutos iniciais. Um foi para fora, e
outros três foram espalmados pelo goleiro – vítima do argentino em outros
clássicos. Victor ganhou no primeiro tempo. Passou por ele o 0 a 0.
A calma do Grêmio, porém, não foi sinônimo de falta de ambição, de
desinteresse. Longe disso. Os visitantes foram ao ataque – embora sem sucesso.
Muriel teve que se virar duas vezes – uma em chute de Marquinhos, outra em
batida de Douglas. E ainda viu uma bola encontrar sua trave. Foi aos 28 minutos,
com Marquinhos, em chute pela esquerda de ataque. Quase.
A pressa fez o Inter tropicar nas próprias pernas em parte de suas investidas
ofensivas na etapa inicial. Leandro Damião não esteve bem. Gilberto correu mais
do que as jogadas exigiam.
Oscar foi a contrapartida. Ele se apresentou como boa alternativa pela
direita. Teve vitória pessoal. Em dois cruzamentos, quase levou o Inter a pular
na frente. No primeiro, a bola desviou na zaga, e Leandro Damião conseguiu se
atirar nela, mas sem precisão; na outra, Gilberto não conseguiu dar um toque que
fatalmente renderia gol.
O Inter voltou voando no segundo tempo. E, de novo, sem precisão. O Grêmio,
com mais organização do que pressa, seguiu ameaçando. Marquinhos bateu colocado,
obrigando Muriel a fazer boa defesa. E aí Douglas quase fez história. Aos oito
minutos, mandou cobrança de escanteio. A bola viajou. Cortou o céu do Beira-Rio.
Atravessou a área. E parou no travessão de Muriel. Faltou um triz, um milímetro,
para ser gol olímpico.
Virou jogaço. O Inter respondeu. D’Alessandro, sempre ele, acertou a rede por
fora. Índio, histórico em Gre-Nais, cabeceou muito perto do gol. Cá e lá, lá e
cá, cá e lá, lá e cá. Uma hora o gol sairia. E foi de pênalti.
Eram 14 minutos de um Beira-Rio que espumava tensão quando a bola caiu nos
pés de Oscar. Ele estava dentro da área, frente a frente com Fábio Rochemback,
feito num filme de faroeste, olhos nos olhos. Quem fosse mais rápido, venceria;
quem sacasse sua arma primeiro, venceria. Oscar deu a finta. Rochemback esticou
a perna. Pênalti.
O torcedor, esperto que é, não precisaria pensar muito para adivinhar quem
pegou a bola para cobrar. Quanta história, quantos duelos, quanto significado
naqueles segundos, pesados feito chumbo, em que D’Alessandro ficou separado de
Victor por uma bola posicionado sobre a marca do pênalti. O argentino correu. E
chutou. E viu Victor pular. E viu a bola entrar no cantinho, mansa – bola de
Libertadores.
Era a maior notícia do mundo para os colorados. O Inter, com gol de seu ídolo
máximo, de seu grande craque, estava indo para a Libertadores. O Beira-Rio
entrou em surto. Mas havia uma eternidade pela frente – no jogo do time colorado
e de seus concorrentes diretos por vaga na Libertadores.
Miralles entrou bem no Grêmio, em um aviso de que o jogo jamais poderia ser
considerado história encerrada. O Inter poderia ter ampliado. Victor defendeu
chute colocado de Leandro Damião. E caiu nos pés de Gilberto para evitar gol
feito.
Celso Roth, em sua despedida, ainda tentou colocar Lúcio. Também Leandro. Mas
não conseguiu o gol do empate, o gol que seria uma desgraça para os colorados. O
Inter levou o jogo até o fim, garantiu a vitória, garantiu a vaga. E encerrou
2011 por cima.
Está encerrado o ano. Vem aí 2012, com novos Gre-Nais, com a Libertadores da
América, com mais episódios dessa formação da identidade dos gaúchos - para quem
o futebol é muito mais do que um jogo de bola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário