O PRÍNCIPE CHILIQUENTO
Nasci temporão, meu pai, descendente de portugueses, ex atleta do vovô,
SC Rio Grande - padrinho do Grêmio na fundação - fanático por futebol, desde
cedo me levou a simpatizar pelo jogo - tinha 51 anos quando nasci. Minha mãe,
direto de ancestrais de Andaluzia, contava com 43 anos, numa época em que ter
filhos, nesta idade, não era anormal, e o parto era exatamente o natural -
cesárea, nem pensar. A humanidade às vezes parece que involui. Cresci entre
adultos misturando o português nacional-luso com o espanhol falado caseiramente
em boa parte da minha infância. Era uma loucura, amava-se os beatles, os Stones
entre boleros, recuerdos de ypacarai, e ya no estas mas a mi lado, corazón, en
el alma solo tengo soledad, y si ya no puedo verte, porque dios me hizo
quererte, para hacerme sufrir mas ? Uma verdadeira miscelânea cultural que
atravessou uma década até chegar a revolução, ou como queiram, o golpe: foi
quando me transferi para Porto Alegre onde na adolescência me deparo com de
tudo um pouco, de Led Zeppellin ao contemporâneo Nei Lisboa dos bares do Bom
Fim:
Nasci de uma família pobre
E rodei pelo mundo procurando alguém
Que me dissesse o que fazer
E me desse uma chance de vencer
Estudei, entrei até, pela porta da frente, entrar na Universidade.
Venci.
Antes disto ... e na verdade, quando vim meu coração já estava aqui. O
Grêmio havia emprestado um jogadorzaço para o vovô ele, menino, treinado pelo
irmão, Kim, foi, pelo Rio Grande, goleador do campeonato gaúcho. Tinha um
apelido: Bugre. Terminado o ´certame`, o Grêmio repatriou o matador que se
transformou no maior centroavante que vi jogar: Alcindo. Quando ele deixou a cidade
do porto e veio para a capital e com ele veio meu coração que
aportou no tricolor. Nunca mais deixei esta que é a única religião que povoa as
minhas preces: o Gremismo.
Rio Grande, pelo porto, era uma espécie de cidade multinacional, mas se
gritassem Manoel ou Joaquim se enchia qualquer esquina. Apesar de recheada por
judeus, libaneses, cristãos e católicos de todos os gêneros, com seus colégios
de padres e freiras, a cidade, era de domínio luso. Os portugueses adoram
piadas e se divertiam - ante a falta de outro entretenimento - contando-as um
dos outros e dos seus e, talvez dai, tenha se originado as nossas boas e
sacadas anedotas deles, vale dizer, nossas sátiras, hoje, dos patrícios, nada
mais são do que uma repetição do que eles mesmos contavam: eu ouvia histórias
atentamente, e eram muitas.
As piadas nada mais são do que uma curta história do cotidiano, de final
cômico, e as mais corriqueiras repousavam exatamente sobre a grande arte da
cidade: o futebol, afinal ela, cidade, foi o berço dele, futebol, na nossa
pátria amada. Depois o esporte se esparramou, como a batatinha, pelo país
inteiro, só que aquela não se ´esparrama`, mas espalha rama .. pelo chão. O
jogo se esparramou.
As anedotas eram quase infantis, não havia maldade, não havia malícia, e
quanto mais ingênua, mais riso provocava ... até o advento da pornografia.
O goleiro, hoje, é intocável na pequena área. Nos primórdios, valia
tudo. Goleiro não ficava mais do que um pentelhonésimo de segundo com ela na
mão porque ao atacante era permitido meter-lhe os pés no peito ou por onde
pegasse e atirá-lo com bola e tudo para dentro: era gol, valia. Fato !
Entre tantas, meu pai contava que certa vez a seleção de Portugal
disputava uma partida importantíssima e decisiva e ao apagar das luzes com o
título quase na mão o juiz assinalou uma falta máxima, o desgraçado do pênalti.
Mas havia uma garantia: no gol, Manoel era um gigante, defendia tudo. Armou-se
a cobrança e a inchada apreensiva roía as unhas mas confiava, Manoel há de
defender esta. No centro do gol Manoel se postava gigante diante do cobrador
nervoso. Manoel usava um boné, e quando o atacante de ´linha` correu para a
bola o ´golgoalkeeper` pediu um instante .... para perturbar o batedor. Tirou o
boné e o atirou para dentro do gol. Voltou para a posição de defesa e encarou
seu carrasco. Perturbado, o atirador meteu a bola nas mãos do ´guarda-redes`. A
massa foi ao delírio. Uma verdadeira histeria coletiva, provavelmente a
primeira grande ode da história futebolística a um herói. Manoel se ergueu,
suspirou, sorriu...se virou e foi no fundo da goleira apanhar seu boné. O Juiz,
claro, marcou bola ao centro: gol !
O tempo passou e apareceu a obra de Antoine de Saint - Exupéry. Seu
Joaquim da ´venda` ficou impressionado com o livro, chamou Maria e lhe disse,
traz o Manoelzinho aqui que isto é para ele ler, o Professor e Bardo Rochetaux
recomendou, é cultura. Almeida, da Padaria que descansava sorvendo uma
aguardente passou os olhos por sobre os escritos e vaticinou: afrescalharam o
futebol !
Conta a lenda que foi o primeiro pontapé para a criação do chilique no
jogo... misturaram tudo.
Uma profecia. Nascia ali a referência sobre o Príncipe Chiliquento. Era
o jogador que se melindrava por qualquer coisa ... o irritadinho... um Dale,
daqueles tempos. Hoje vejo que isto não era piada. Impressionante o que tem de
chiliquento no futebol.
E o que é pior: dirigente chiliquento ! E temos alguns em plena
atividade tantos anos depois ...ai é demóóóóóóís !
Obs, a foto é do SR Rio Grande no final da década de 20 - meu pai, é o
primeiro da direita para a esquerda, de boina; apelido = Pato; motivo (
verdadeiro ) = o Rio Grande tinha um grande goleiro, de apelido Pato; num jogo
sem mais poder fazer substituição ele se lesionou ... meu pai, zagueiro,
Carlos, foi para o gol ... na hora do pênalti ... defendeu ... não jogou a
boina para dentro das redes, segurou a bola e dela se livrou chutando rápido
para frente ... RG venceu ... virou o herói da partida e cunhou a alcunha =
virou Pato ...e não precisou ser metido a ganso, era Pato Bom e não Pato Novo !
abs